O novo ensino médio

Quando ouço que temos um novo ensino médio, organizado e estruturado por decreto, não posso deixar de lembrar de um congresso que assisti alguns anos atrás. Nesse congresso um dos palestrantes, lamento não recordar seu nome fez uma comparação entre uma fábrica de bolachas e a educação. Não podemos transformar uma fábrica de biscoitos, por decreto, numa fábrica de bolos. Até a matéria prima pode ser a mesma, mas o maquinário que se requere é totalmente diferente.
Em qualquer atividade empresarial, não esqueçamos que hoje em dia as escolas são empresas, há que levar em consideração o mercado e a capacidade de atende-lo de acordo às suas características e necessidades. Implementar um processo educacional não é algo que se faz do dia para à noite, requer estudo, planejamento e principalmente mão de obra adequadamente especializada. E quando falo adequadamente, significa que além de ter um diploma que ateste sua capacidade, tenha a experiência e especialização nas áreas que irá atuar.
Nos cursos técnicos acredito que os professores além de ter certificações nas suas especialidades, lhes será exigido uma ampla prática na área de atuação, já que os alunos deverão sair prontos e aptos para trabalhar. Imagino que num colégio técnico para agrônomos, por exemplo, o ideal seria alguém com uma vasta experiência no trabalho de semear, colher e que também seja um técnico formado. Num colégio que terá orientação na indústria do petróleo, os professores deveriam ter trabalhado nas áreas que lecionariam além de ter uma certificação adequada. Nada é mais importante que a prática em qualquer profissão. Ou seja, em qualquer EM técnico os professores deverão ser escolhidos não somente pela sua qualificação acadêmica, mas principalmente pela sua vivência na profissão que ensinará.
Sei que dou a impressão de extremista, para algumas pessoas, em alguma de minhas ideias, principalmente nesta que vou mencionar agora. Aluno do EM que fracasse na primeira série, automaticamente faria um ano de discipulado em qualquer área profissional, construção, comércio, agricultura, para começar desde baixo e conhecer em detalhe o esforço da maioria de nossa força de trabalho. Caso após um ano desta experiência deseje voltar a estudar as portas estarão abertas para ele. Acredito que desta maneira poucos desistiriam dos estudos.
A verdadeira revolução no ensino médio, ou qualquer nível que falemos, será quando exista um conteúdo realmente voltado a aplicação prática do que é ensinado. Não adianta ter conteúdos teóricos que não são explicados em situações da vida real. Dou aulas em colégios particulares para uma elite que representa o 5% da população brasileira, e posso garantir que estes alunos vivem num mundo de fantasia e acreditam que estão fazendo um favor à sociedade frequentando a escola. Minha preocupação é que num país que 50% da população vive com menos de um salário mínimo, 30% com apenas um salário mínimo, e somente 5% ganha acima do equivalente a 10 vezes o salário mínimo, chegará o dia em que se a minoria não resolve esta equação social, podem enfrentar uma nova Revolução Francesa. Daqui a 20 anos, nossos alunos do EM atual estarão no comando do país. Alguém vislumbra uma melhoria no futuro de nosso Brasil? Volto a repetir, mudanças na educação não se conseguem por decreto, mas construindo uma reforma de acordo à realidade das necessidades da mesma.

Boa semana

6 Comments

  1. Antonio Valmario Costa Júnior said:

    Caro Ricardo, parabéns pelo feliz artigo. O estilo de tuas crônicas que por vezes pode ser visto como radical guarda o mérito de ser afortunadamente provocativo. Os exemplos, as vezes extremados, como o do jovem fracassado na primeira série que ingressaria automaticamente na área laboral nos devolvem à crueza de que a realidade é feita. Vivemos num mundo em que nossa esperança iluminista caiu por terra e em que a humanidade regride a passos largos à selvageria que parece nunca nos ter abandonado. Se a desigualdade social for um dado inevitável das sociedades humanas, a oportunidade de acesso à educação e ao conhecimento tem que ser reconhecidos pelos que podem usufruir delas com o sentimento da devida responsabilidade e com a noção do privilegio da oportunidade. A dinâmica da realidade não será menos condescendente com eles pois ela atua a partir das ações e das idéías que são produzidas. Se estas idéias e ações não servem para humanizar as atitudes, não esperemos que a realidade seja mais humana e tão pouco que teus exemplos sejam menos contundentes. Forte abraço e obrigado por este espaço de reflexão.

    3 de março de 2017
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    • Caro amigo: Agradeço teu comentário. Minhas opiniões tentam acordar aqueles que estão dormindo, unir aos que pensam igual, provocar aos que pensam diferente. A realidade é a que nós construímos, porém somos responsáveis pelos que obrigamos a viver nela. Nossa sociedade está construída para favorecer a poucos. Ninguém pode dormir em mais de uma cama ou comer mais de um frango por dia. Essa é uma das grandes promessas que Deus faz aos seres humanos, aqueles que pouco lhes for dado será o Reino dos Céus. Essa é minha esperança, que algum dia os homens entendam que somos capazes de construir o Paraíso na terra. Depende somente de nós.
      Um abraço enorme.

      4 de março de 2017
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  2. Gilbert Pereira said:

    Caro vizinho.
    Li e concordo com seu texto mas, nossa estrutura educacional não é muito engessada pelo governo? Não é preciso decretos ou similares para começar a remover este gesso? Como aumentar o grau de liberdade nas instituições de ensino? Me parece que estamos atrasados em relação ao mundo neste quesito. Temos muitas regras governamentais e não adianta nada pois continuamos a formar estudantes que chegam despreparados ao mercado de trabalho. Eu mesmo nem sei se a profissão que meus filhos irão exercer, existem hoje. Estamos em um mundo novo com um sistema de ensino velho. Grande abraço.

    24 de fevereiro de 2017
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    • Meu caro Gilbert: Concordo que deve existir alguém responsável, no caso específico de nosso país, pode vangloriar-se de ter as melhores leis do mundo em qualquer área, mas deve concordar comigo que é o pior país no que se refere a aplicação das mesmas. Somente são aplicadas aquelas que convêm aos que estão no poder para benefício próprio. E você está certo daqui a 20 anos as profissões mais requisitadas ainda não existem.
      Um grande abraço
      Ricardo

      24 de fevereiro de 2017
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  3. Mesquita said:

    Caro Prof. Ricardo, é de se esperar que o conteúdo desta sua crônica possa produzir bons resultados junto a direção das escolas e ecoando positivamente no seio dos que fazem o corpo docente e discente. Quanto ao profissionalismo dos que se propuseram serem empresários do ramo do ensino, muito importante suas colocações. Certa ocasião, representando o segmento de minha atividade profissional à época, pude comentar que tínhamos muitas empresas mas a maioria de seus representantes brincava de ser empresário, comprometendo o elevado investimento e a imagem de seus negócios, com reflexo nos demais ainda que indiretamente. Que suas sugestões sirvam de alerta para muitos e venham a ser adotadas para o bem da sociedade como um todo, garantindo um Brasil melhor no futuro. Forte abraço.

    23 de fevereiro de 2017
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    • Caro amigo, minha crônica simplesmente tentou dizer que as mudanças e as transformações não são feitas por decreto ou por uma decisão intempestiva de alguém que nesse momento detenha o poder. As mudanças são de dentro para fora e não de fora para dentro. Se nós como indivíduos não mudamos internamente, nunca poderemos mudar o ambiente que nos rodeia.
      Obrigado, mais uma vez pelos seus comentários.
      Um grande abraço.
      Ricardo

      24 de fevereiro de 2017
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