Qual é o limite?

Tinha, sete ou oito anos, não mais do que isso quando recebi do meu pai a primeira lição que recordo. Com a curiosidade da minha idade fiquei observando um grupo de homens que batiam um papo em volta de uma árvore, perto da esquina da minha rua. Eram pessoas que tinham um aspecto diferente daquelas que normalmente via passando perto de casa. Depois de um tempo eles foram embora e disfarçadamente me fui aproximando da árvore, quando subitamente vi um pacote de papéis. Peguei-o e percebi que não eram papéis, mas bilhetes, um maço de dinheiro. Na época já sabia contar e cheguei a quantia de trezentos e poucos na moeda da época. Não tenho a menor ideia de quanto seria isso hoje em dia, mas pela expressão de meu pai quando lhe entreguei o pacote deveria ser uma boa soma. Naquele tempo eu estava querendo comprar quase tudo o que existia, era um menino e queria tudo, então aproveitei e falei para meu pai as coisas que desejava comprar com esse dinheiro. Ele simplesmente respondeu: Esse dinheiro não é seu, alguém o perdeu. Minha resposta foi rápida: Acho que era dinheiro roubado, pelo aspecto dos caras estavam distribuindo dinheiro roubado. Meu pai não duvidou um segundo, pegou-me pela mão, colocou seu chapéu e fomos caminhando para a delegacia. No caminho questionei que não iam encontrar esses homens e que o dinheiro ia ficar para a polícia. Não adiantaram todos meus argumentos, ele foi destruindo um a um e quando chegamos a delegacia fiz o que meu pai pediu, entreguei o dinheiro e contei o que tinha visto. Meu pai assinou a denúncia e deram para ele um recibo do dinheiro.
Ele tinha traçado o primeiro limite consciente que nunca esqueceria. Já tinha estabelecido muitos outros limites no meu inconsciente, mas esse foi o primeiro que de uma forma concreta e através do exemplo imprimiu no meu cérebro. O que é seu é seu, o que não é seu não lhe pertence. Na educação que dei aos meus filhos fiz a mesma coisa, ou pelo menos tentei. Será que fiz certo? Eles vivem num mundo em que esses limites são transgredidos pela maioria levando vantagem sobre aqueles que os têm. Quais são os limites que uma sociedade deve impor aos seus membros?
Dizem que uma sociedade é a soma daqueles que vivem nela e para que esse convívio seja possível seus integrantes devem respeitar as regras de convivência. No meu lar as regras eram simples e a autoridade maior e definitiva era meu pai. Minha mãe era quem decidia tudo e sempre podia apelar para o argumento final: – Se não faz isto ou aquilo terei que falar com seu pai! Era o santo remédio, a última coisa que queríamos era perturbar os poucos momentos que tínhamos com nosso pai. Ele sempre nos dizia que devíamos obediência à nossa mãe, caso contrário teríamos que render contas a ele. Quando vejo a quantidade de leis e normas que regem nossa sociedade percebo que essas leis e normas não são para poder conviver, mas para proteger aos mais fortes. O sistema judicial nosso é tão caro, demorado e de difícil acesso para os pobres que somente protege ao mais forte. Para os membros de uma sociedade poderem conviver os limites são bem básicos e simples, saber a diferença entre sim e não, que nosso direito termina onde começa o do outro e que o nosso é nosso e não devemos ficar com nada que não seja de outro.
O problema é que para isto funcionar os que dirigem devem dar o exemplo, e os membros da sociedade devem ser os exemplos para seus semelhantes. Por isso a pergunta que deixo esta semana é:
Qual é o seu limite? Na profissão ou nos seus valores pessoais?

2 Comments

  1. Mesquita said:

    Caro Professor Ricardo, esta sua crônica nos transporta aos tempos em que o nosso caráter começou a ser forjado pelos nossos pais nos imprimindo os princípios da obediência, ordem, respeito, organização, correção, ética, além de, em especial, nos ensinarem a desenvolvermos princípios como: Honestidade, ser verdadeiro; Autenticidade, ser você mesmo; Integridade, ser confiável e o Amor, não aquele amor romântico, mas o amor naquilo que fazemos e por desejar o bem aos outros. Não lhe diria que estes são os meus limites, como indaga, mas as diretrizes na minha profissão, nas minhas ações e nos meus valores pessoais. Infelizmente o que hoje constatamos na sociedade em que vivemos, diferentemente de como fomos educados, é que esses princípios e exemplos não são adotados, praticados e repassados por expressiva maioria desta mesma sociedade, não dando exemplo nem sendo exemplo. Forte abraço.

    24 de junho de 2017
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    • Caro amigo de jornada: Valores se mostram com exemplos. Abraços. Ricardo

      24 de junho de 2017
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