A família na formação e na educação

Quando falamos da família, primeira e única fonte primária da educação e formação de uma criança aparece uma das primeiras pistas dos problemas que enfrenta a educação no nosso país. O preconceito que impera é que pessoas de origem humilde ou de poucos recursos não constituem um núcleo familiar confiável. Este pré-julgamento me faz lembrar uma história de Ortega e Gasset (famoso filósofo espanhol). Visitando uma comunidade de poucos recursos no interior de Espanha, ficou observando, junto com seus ajudantes, o dia a dia de seus habitantes. Como sempre, um dos seus colaboradores comentou: Que gente bárbara! Não é verdade, mestre? A resposta deste sábio foi: Que cultos que são estes bárbaros!
Informação, instrução e conhecimentos alheios à realidade que se vive não significam cultura. Uma sociedade culta é aquela que adéqua seus valores e conhecimentos à realidade vivida, e que continua construindo a história e costumes desse núcleo social, de acordo as suas necessidades de sobrevivência. Tive muitos alunos provenientes de classes menos favorecidas materialmente, mas ricas em cultura familiar. Tive outros muitos de classes muito favorecidas, mas míseras em cultura familiar. Noutras palavras é mais importante à formação cultural recebida nos nossos lares que a riqueza na qual fomos criados.
Outro exemplo importante foi meu pediatra, que também cuidou dos meus filhos. Grande médico, que contava a seguinte estória: “Você não vai acreditar, mas ontem esteve no meu consultório uma mãe perguntando-me como poderia começar a educar seu filho de três anos.” Ele respondeu: “Minha senhora, seu filho já está educado, uma criança aos três anos já deve saber a diferença entre sim e não, e saber os limites do que pode ou não fazer dentro do lar”.
Sei que a sociedade tem mudado muito nestes últimos 50 anos, que hoje é muito mais permissiva em muitos aspectos, comparada com a educação que recebi. No entanto os princípios universais não mudam. Vejamos: a) É responsabilidade da família que a criança conheça os limites entre o que está certo e errado quando entra na escola; b) é responsabilidade da escola mostrar à criança uma realidade padrão de convivência em um núcleo diferente do familiar; c) é responsabilidade da escola fazer entender à criança e aos pais que as regras do lar não valem na escola, pois a escola representa os valores da sociedade e não pode ter regras diferentes para valores distintos, ou seja, de acordo aos valores de cada núcleo familiar.
Tenho ouvido muito dos donos de escola que os pais hoje não podem dar muita atenção aos filhos porque a vida moderna mudou. Esse é o motivo pelo qual os pais delegam nas instituições a responsabilidade de educar as crianças. Pode até ser, mas se isto é verdade quem não se tem preparado para essa nova realidade são as escolas.
Deveriam ter turmas bem menores, profissionais preparados para trabalhar à diversidade de valores e características individuais demandadas nesta nova responsabilidade e principalmente, consciência dos pais desta realidade, já que muitos pensam que pelo fato de pagar caro (aqueles que podem), levar e buscar os filhos na escola, frequentar algumas reuniões de pais, cumprem com suas obrigações de responsáveis pela formação de seus filhos. A escola é um mero preposto na educação de uma criança, os responsáveis são os pais. Se uma criança está mal no colégio, de quem é a culpa? Dos pais? Da escola? Se a escola não é boa os pais deveriam ter percebido, se o professor não está devidamente preparado, os pais deveriam ter notado, se a criança não faz as tarefas de casa, os pais deveriam ter sabido. As instituições de ensino evoluíram muito neste aspecto. Posso dizer que 100% delas comunicam por diferentes meios aos pais de qualquer e toda ocorrência com os filhos. Tenho detectado que muitos pais não controlam seus filhos em casa, os que mandam são as crianças. Outros se sentem tão cansados que estão sem forças para falar com os filhos e assumir as responsabilidades de controlar as tarefas escolares. Alguns quase não os veem durante a semana.
Uma vez ouvi que não há escola para pais e que esse é o motivo pelo qual tantos erros são cometidos. A verdade é que sim existe uma escola para pais. Essa escola é o lar no qual nascemos. O filho aprende dos erros e acertos dos pais e dos professores. Podemos escolher seguir o exemplo do errado ou do certo, do bem ensinado ou do mal ensinado.

4 Comments

  1. Mesquita said:

    Caro Professor, essas coisas só vão melhorar no dia em que os pais tomarem consciência de que suas atribuições para com os filhos têm que estar no mínimo no mesmo nível de prioridade que seus negócios e assuntos pessoais. E que se lembrem sempre de repassar aos pequeninos, desde cedo, que é muito mais importante o SER do que o TER. Que independente do nível social da família e padrão da escola é vital o acompanhamento pelos pais em toda essa caminhada. Pior é quando os filhos começam a andar sozinhos e que os pais nem sempre sabem com quem andam, onde vão, onde estão e o que estão fazendo, sendo, portanto, esta faze primária de suma importância na criação dos filhos. Forte abraço.

    18 de setembro de 2017
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    • Ilustre amigo e camarada: Há um tipo de escravidão que é pior que a física, é a escravidão cultural. Seus comentários sobre o ser e o estar, me faz lembrar que no idioma inglês não existe diferença entre o ter e o ser. Lamentavelmente nosso país cada dia que passa está mais e mais dependente do país do norte. Seus costumes e sua forma de vida são motivo de inveja de nossas crianças. Idolatram os heróis estrangeiros, desejam viajar para lá. Talvez por isso cada dia que passa exista menos diferença entre o SER e o TER no Brasil. Quando tenhamos consciência que ter não é ser, será o dia que daremos mais valor à nosso idioma e a nossa cultura. Deveríamos seguir o exemplo do saudoso ministro de educação Portela que quando perguntado se ele era o ministro, ele respondeu: Eu estou ministro, não sou ministro. Quando os pais e mães saibam que ter filhos é diferente de ser pais e mães, espero que nosso país melhore.
      Seu amigo de sempre.

      18 de setembro de 2017
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  2. Antonio Valmario said:

    O texto muito oportuno do professor Ricardo chama a atenção para um dos maiores problemas do cenário educacional: a delegação de responsabilidades que muitos dos pais fazem em direção à escola e aos professores. Em um grande número de casos esta delegação se processa pela forma como os progenitores elegem suas prioridades. São elas que conformam a utilização e organização do seu tempo, escalonam as atividades pela sua ordem de importância e ditam os parâmetros que regerão a utilização dos recursos físicos e financeiros. A tendência dominante é que independente da classe econômica a noção do que seja ” o necessário” seja corrompida pelo imperativo do apelo do consumo, e que a construção do ser seja pautada naquilo que a ideologia política e de mercado, através de insistentes mídias, sugerem que se adote como o ideal para ser visto, ou seja, a formação do caráter e a educação da personalidade é cada vez mais autista para a prospecção real e amorosa do Eu. Em suma, muito da delegação de responsabilidades que as famílias transferem para a escola, cursos, psicólogos, psiquiatras,.. tem origem na submissão à ideologia da aparência, ao”status” pré-ditado, à vaidade da ostentação e à uma extrema carência que anseia e busca de algum tipo de reconhecimento por parte do social. É isso que em sua grande parte embasa a falta de amor que poderia traduzir esta ausência pessoal das famílias na educação de seus filhos. O professor Ricardo em mais um texto brilhante nos deixa mais esta oportunidade de reflexão.

    18 de setembro de 2017
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    • Caro amigo: Lamentavelmente nossas opiniões são como o esforço de um passarinho levando água no bico para apagar um incêndio na floresta. A sociedade de consumo não dá tempo, nem educação, nem formação às pessoas para que possam discernir o certo do errado. Esse é o propósito da sociedade atual, não uso do cérebro, que sem uso atrofia, não dar tempo para reflexão, com isso o espírito se apaga, e destruir a ética e as boas costumes. Resultado a família desvanece e as escolas se transformam em meros receptáculos de crianças abandonadas, e algumas abandonadas em berço de ouro. É triste, mas é assim. Crianças solitárias, sem orientação e exemplos à seguir, somente podem espelhar-se nas figuras que a mídia mostra: Lula, temer, Cunha e seus acólitos.
      Boa semana e que Deus nos proteja.

      18 de setembro de 2017
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